sábado, 5 de abril de 2014

A minha mãe

Hoje gostava de tirar uns minutos para escrever sobre a minha mãe.
Não do que ela é/foi/será para mim, mas do que a vejo a ser todos os dias para outras pessoas.

A minha mãe é professora. Trabalha, como sempre trabalhou, no ensino público e teve sempre o azar (ou a sorte) de calhar em escolas com grandes problemas sociais. A minha mãe não adere a greves (não que não as ache justas, não vamos entrar aqui em debates sindicalistas). A minha mãe fica até às 2 da manhã a corrigir testes. A minha mãe compra chocolates para dar aos alunos antes das férias de Natal e da Páscoa. A minha mãe foi operada às duas pernas, esteve um mês sem poder trabalhar e, apesar de lhe terem descontado uma pequena fortuna do ordenado desse mês (alguém me pode explicar como é que um professor vai trabalhar quando não pode estar mais de 10 minutos seguidos de pé?), marcou aulas extra para compensar os alunos de toda a matéria que tinham perdido. A minha mãe fica horrorizada com histórias de crianças que não puderam ir às aulas, porque a chuva lhes molhou os sapatos e não tinham outros para calçar. A minha mãe preocupa-se com os alunos que sabe que andam metidos na droga. A minha mãe teve direito a uma festa surpresa que os alunos lhe fizeram no dia de anos, com a ajuda das auxiliares da escola. A minha mãe ontem não jantou connosco para poder ir ao centro social assistir à festa de fim do período dos alunos dela. A minha mãe não nos dava tudo o que queríamos, mas ensinava-nos que, mesmo assim, já tínhamos bem mais do que seria essencial porque, mesmo sem querer, a minha mãe deu-nos grandes lições de vida simplesmente ao contar histórias dos alunos menores que eram usados para trabalhar em fábricas de móveis porque saíam mais baratos aos patrões, sempre com grandes esquemas armados para não ser possível apanhá-los em fiscalizações.

Bem sei que cada caso é um caso. E eu só estou aqui para falar deste em particular, porque me é tão próximo. Custa-me ver uma pessoa tão dedicada a ser tratada como se merecesse ser castigada diariamente por ser educadora e, pior ainda, por ser amiga. Por se preocupar e por tentar fazer a diferença. É cortes nos salários, é trabalhar cada vez mais horas, é o congelamento das carreiras, é ter turmas cada vez maiores, com mais alunos que são cada vez mais problemáticos. É vê-la a passar por tudo isto e, mesmo assim, a continuar a dar o tudo por tudo por aquelas crianças que lhe passam pelas mãos. Às vezes até dizemos que ela é mais dedicada à escola do que à casa. E para quê? Para estar num país que não reconhece o seu esforço, o seu trabalho? Um país comandado por pessoas que não têm o mínimo respeito pela dignidade de quem dá tudo de si. Portugal é um país que provoca em mim sentimentos contraditórios. Gosto do meu país mas, ao mesmo tempo, ele revolta-me. Revoltam-me as histórias que ouço a minha mãe contar das crianças com quem lida diariamente e que têm vidas verdadeiramente dramáticas e revolta-me ver como é fácil neste país fazer-se vista grossa ao que não fica bonito na fotografia. Entristece-me a maneira como se humilham diariamente pessoas honestas e trabalhadoras que, felizmente, ainda existem. Pessoas como a minha mãe.

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