quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

101

Se o meu bisavô fosse vivo, fazia hoje 101 anos. 
Morreu aos 97, o que não é nada mau, e mesmo assim foi demasiado cedo. Sempre vivi a achar que ele ia chegar, pelo menos, até aos 100. Mas não. Ele sempre disse que se perdesse a capacidade de andar, queria morrer. E assim foi. Aos 97 anos teve um avc, foi para os cuidados intensivos e nunca mais voltou para casa. Lembro-me como se fosse ontem. Era uma quinta-feira de manhã cedo e eu estava a arranjar-me para ir para a faculdade quando o telefone tocou. Soube logo quem era e para que estava a ligar, por isso não quis ir atender. Da segunda vez que o telefone tocou, a minha avó acordou e minutos depois apareceu-me a dar a notícia. Nem sei dizer o que senti. Não sei mesmo. Já tinha passado pela experiência de perder alguém, mas nunca tinha perdido ninguém tão próximo. A ideia de que nunca mais o ia ver com a cadelita ao colo no sofá do quarto, que não ia mais ouvi-lo a discutir com a minha avó... Fiquei sempre com a sensação de que não tinha tido tempo suficiente com ele. E o momento em que mais me doeu, foi na missa do dia do funeral, quando o padre deu uns minutos para nos despedirmos dele. Dei-lhe um beijo na testa e foi só aí que realmente me caiu a ficha. Ele estava gelado, tão mas tão gelado que é difícil de descrever. E aí comecei a chorar mesmo a sério e custou-me muito parar. 
Uma das últimas memórias que tenho do meu bisavô é de o ver sentado a conversar com um dos meus tios e eu entrei para dizer que ia sair e me despedir e o meu bisavô olhou para mim e depois, com lágrimas nos olhos mas um sorriso no rosto, disse ao meu tio "Cada vez tenho mais vaidade nela" e eu fiquei tão emocionada que rezei baixinho para nunca mais me esquecer daquele momento. E nunca mais me esqueci. Faço questão de pensar nisso várias vezes, para ter a certeza de que me vou sempre lembrar daquele minuto tão simples e tão especial. 
Mas o meu bisavô não era nenhum velhinho fofinho e cutxi-cutxi... Não, senhor e isso fazia-me gostar ainda mais dele. Tinha um mau feitio do caraças, era teimoso ao ponto de se tornar desesperante e berrava como o diabo. E assim foi até ao fim. Mas lá no fundo era um amorzinho. Um amorzinho muito rabugento, de quem toda a gente gostava e que gostava de toda a gente. Era o maior forreta que eu alguma vez conheci, com a velha frase "Isso é como ir para a janela atirar tostões!", mas nunca deixou que faltasse nada a ninguém. Tinha uma paciência infinita para brincar comigo quando eu era pequena. Foi a primeira pessoa que eu perdi na minha vida e de quem realmente sinto saudades. Claro que a vida continua, mas basta lembrar-me dele que o sentimento de perda é sempre o mesmo, ano após ano. E espero que continue sempre assim, porque a verdade é que ele me faz muita falta. 

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