Tenho um hábito muito mau (ou muito bom).
Na altura do divórcio dos meus pais (não pensem em meses, pensem em anos, muitos e dolorosos anos), como filha mais velha que era, cabia-me a mim ter as costas largas e levar com as culpas, com os desabafos, com o desespero, com os gritos, enfim, com tudo. Os meus pais usavam-nos para se atingirem um ao outro, os familiares à volta usavam-nos porque ficava bonito mostrar compaixão pelos "coitadinhos" mas, porque também dava jeito ter alguém a quem mandar umas indirectas ou de quem se aproveitar de vez em quando, porque os pais estavam demasiado ocupados a matarem-se um ao outro para se lembrarem de os defender. Sofri muito, a minha personalidade mudou do 8 para o 80: quando era pequena lembro-me de me dizerem que falava pelos cotovelos, dum dia para o outro começaram-me a acusar de nunca falar. "Falar para quê?", pensava eu. Como se alguma coisa que eu tivesse para dizer pudesse fazer a mínima diferença. No auge da minha adolescência e das minhas alterações hormonais, ainda tive que lidar com uma depressão (dizem que isto é para a vida, que está sempre lá. Eu espero que não). E, mesmo assim, nunca me queixei (muito... havia sempre espaço para alguma atitude mais dramática). Era mais fácil dizer que sim com a cabeça a tudo, porque calavam-se mais depressa. Era mais fácil dizer que sim, que só sei defender a minha mãe, ou que sim, que estou sempre do lado do meu pai, ou que sim, que sou uma egoísta que não pensa em mais ninguém. Quando se diz que sim, as discussões acabam. No fundo, eu sabia que ninguém pensava realmente aquelas coisas (ou, pelo menos, espero), só queriam poder dizer meia dúzia de caralhadas disparates para se sentirem mais leves e mais calmos. Afinal, quem nunca fez isso? Mas doía e eu não estava emocionalmente preparada para aguentar com tudo o que me caiu em cima. Durante anos, só olhava para o chão para não ter que enfrentar um espelho. Durante anos, chorei horas e horas a fio antes de adormecer e depois de acordar (será por isso que agora quase morro sufocada antes de conseguir expulsar uma lágrima?). A minha solução para não enlouquecer? Metade das vezes (ou de quase todas as vezes, vá) que alguém abria a boca para dizer alguma coisa que eu já sabia, mesmo antes de ouvir, que me ia atingir a fundo naquele pontinho da alma onde tudo magoa mais do que o nosso próprio corpo está preparado para aguentar, eu cheguei a uma altura em que conseguia não ouvir (literalmente) uma palavra do que me estavam a dizer, nem que me gritassem directamente aos ouvidos. Foi uma coisa muito útil. Tão útil, que o hábito ficou. E, o pior, é que às vezes faço isso mesmo sem querer. Dou por mim muitas vezes, a meio duma conversa, a pensar na letra duma música que ouvi ou a elaborar, mentalmente, a minha lista de compras do supermercado. E depois, de repente, acordo (geralmente porque quem está a falar comigo fica à espera duma resposta). Lá chega a altura de abanar a cabeça e fazer um sorriso (ou não, depende da expressão de quem está a falar) porque não faço a mínima ideia se acabaram de me falar sobre a apanha da batata em Santa Comba Dão ou sobre a crise política na Terra do Nunca. Quem me conhece, sabe que eu sou mesmo assim. A quem não conhece, aqui fica o meu pedido de desculpas e a promessa de que não, nunca hei-de mudar. É a minha qualidade-defeito preferida. Graças a isto, foi mais fácil deixar tudo para trás das costas e ter, actualmente, uma relação saudável com os meus pais e restantes familiares.
Felizmente o divórcio dos meus pais foi calmo e, na minha opinião, a melhor coisa que podia ter acontecido à minha mãe.
ResponderEliminarUau, este texto está demais. Deixaste-me emocionada e melancólica :/ Não me identifico total mas sim parcialmente e apesar de ter saído há pouco tempo da adolescência, parece que já foi há muito tempo que sofri algumas coisas que descreveste. No entanto, não tenho essa tua qualidade-defeito que muita inveja me deixa por aqui :/
ResponderEliminar(quanto ao teu comentário no meu blog, já muita gente já me tem dito o mesmo ehehe Só espero conseguir aproveitar ao máximo, divertindo-me mas, sobretudo, potencializando os estudos ao máximo! Como gosto de todos os cursos que escolhi (especial carinho e amor para a 1ª e 2ª opção eheh) acho que vai ser possível.)
Beijinhos xx