domingo, 30 de novembro de 2014

Há sempre uma primeira vez...

Até para se ser assaltada. Sempre tive bastante sorte com este tipo de coisas, o que me levou a sempre ter sido bastante descuidada: esquecia-me das chaves na ignição, deixava o telemóvel em qualquer lado... nunca desapareceu nada. Mas, karma's a bitch e, precisamente no dia em que decidi ser extra cuidadosa, fui roubada.
Vamos voltar ao meu cenário preferido em todo o mundo: Paris (ou "a capital europeia do terceiro mundo", como já ouvi dizer). Mais precisamente, ao metro de Paris, o antro de todos os males daquela cidade. Tivemos que lá ir a um congresso e, depois de dois dias muito atribulados, era hora de ir embora. Não via a hora de chegar à Gare de l'Est, comprar uma bebida gigante e cheia de calorias no Starbucks e esperar pelo comboio que me traria de volta à minha cidadezinha pacata. Pois claro que, sendo Paris, antes de entrar no metro fiz questão de fechar bem a carteira e de a pôr bem, mas mesmo bem, junto a mim. Metro cheio (como sempre), a cheirar mal (como sempre), e nós a termos que fazer um grande esforço para não sermos esmagados pela multidão, com mala, sacos e mais sacos, encontrão daqui, encontrão dali. Saio do metro e olho para a carteira. Aberta. 
"Isabel, a minha carteira está aberta!". A Isabel, em toda a sua inocência, perguntou: "Ah, sim. Queres que ta feche?". Confesso que me comecei logo a rir. Eu sou assim, em situações de stress dá-se-me para rir, convenhamos que podia ser bastante pior. Primeiro impulso: ir à polícia. Tinham-me roubado o porta-moedas com tudo: dinheiro, cartões multibanco, documentos... 
Se, por um lado, a presença constante de militares armados nas estações de comboio me dava um certo frio no estômago, por outro lado sentia-me reconfortada com a ideia de que eles deviam saber o que fazer, em caso de problema. Pois que os senhores nem sequer se tinham dado conta de que a esquadra da polícia da gare estava fechada há mais de um mês e ficaram muito admirados quando lhes dei a notícia. Mandaram-nos para a esquadra da Gare du Nord, outro dos meus locais preferidos. Lá cheguei, toquei à campainha da polícia e deixaram-nos entrar. Expliquei o que me tinha acontecido e mandaram-me esperar 1 minuto. 1 minuto que se transformou numa hora e que me deu tempo suficiente para ligar a cancelar todos os meus cartões bancários e para o consulado a perguntar o que devia fazer. Os polícias entravam e saíam, conversavam e bebiam café e nada. Estava eu a tentar controlar a minha raiva ao máximo e a aparentar-me calma (sou muito boa nisto), quando o polícia que já tinha falado connosco olha para nós e diz "Ah, é verdade, está aí". Respirei fundo. Depois duma conversa inútil em que repeti tudo o que já tinha dito, perguntou-me se queria apresentar queixa. "Não, passei só para lhe desejar boa noite". Sim, claro que quero apresentar queixa! Não posso andar a passear-me, ainda por cima, num país que não é o meu, sem documentos e sem razão para não os ter. Depois de muitas tentativas da parte daquele que é agora o meu agente da polícia preferido para me demover de apresentar queixa ("olhe, é que apresentar queixa... isso são muitos papéis... ufff... e é que vai demorar tipo...tipo...uma hora!") lá me deixou entrar para começar a tratar dos ditos cujos papéis, que iam demorar uma hora a preencher (demorámos meia e só porque ele era mesmo, mesmo, mesmo muito estúpido). Estávamos quase no fim, quando entra na esquadra uma rapariga asiática, turista, a quem tinham roubado a mala. O nosso amigo sr. agente diz, muito enfadado e alto e bom som "filhos da p*** dos asiáticos", mas sem os asteriscos, disse-o com as letrinhas todas. Foi aí que me saltou, finalmente, a tampa e perguntei à minha colega se achava que depois de apresentar queixa do assalto, podia apresentar queixa do polícia. Não apresentei, mas continuo aqui com o bichinho. Já para não falar que, em momento algum, ele nos perguntou se estávamos bem, se era preciso ligar a alguém ou se tínhamos como voltar a casa. Não, tudo o que o senhor queria era que eu me fosse embora, sem documentos e sem nada, que era para não perder uma hora a preencher papelada.
Toda uma odisseia, este meu pequeno assalto.
Estou muito contente com o meu trabalho em França, desde o horário ao salário, não me posso queixar. Mas agora começo a pensar... até que ponto serei capaz de viver muito tempo num país onde até as pessoas que são pagas para se preocuparem se estão nas tintas? Eu sei, eu sei que podia ter sido assaltada em qualquer lado. Até em Portugal, como é óbvio. Mas só consigo pensar que, se tivesse o azar de estar sozinha naquele dia, a esta hora ainda andava em Paris, à procura de maneira de voltar para casa.
E, agora, ainda tenho todos os meus documentos e cartões bancários para refazer.

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