terça-feira, 30 de junho de 2015

Sobre essas coisas que se dizem dos emigrantes

Falo muito sobre a questão de ser emigrante (ou imigrante, dependendo do país ao qual me estou a referir) mas acho que, mais do que nunca, é um assunto que está em voga e sobre o qual há milhentas opiniões, coisas a dizer e formas de ver as coisas.

Pessoalmente, sou uma grande defensora de que cada um faz o que quer, desde que não aborreça ninguém. Não gosto de criticar, nem de apontar o dedo, seja em que aspecto for. E na questão da emigração sou igual: não critico quem escolheu sair (seria, no mínimo, ridículo, uma vez que também o fiz), nem critico quem ficou. No entanto, os que ficaram (e, se ficaram, é porque estão bem como estão e ainda bem) gostam imenso de mandar bitaites, de nos intitular das mais variadas coisas (e, raramente, elogiosas), de atirar pedras e de nos criticar. 

Nós, os que saímos, somos os ingratos. Somos ingratos, porque não soubemos aproveitar o que Portugal tem para nos oferecer. Não soubemos dar valor ao que o país nos dava. Não soubemos (ou não quisemos) agarrar com unhas e dentes os estágios, os trabalhos precários, os horários infindáveis, as humilhações diárias, as coisas que nunca mudam. Não nos sujeitámos aos tachos e às cunhas. Não quisemos aceitar ter que viver de subsídios de desemprego ou de salários que nos obrigam a fazer mais contas por dia que um trabalhador da NASA. E, por tudo isto, somos ingratos. Porque devíamos ter ficado num país onde não temos futuro e, pior ainda, não temos presente. Onde não se vive, mas se sobrevive. 

Nós somos os desertores. Somos os cobardes que viraram as costas ao país nos momentos difíceis, em vez de ficarmos a lutar por melhorar as coisas. Sim, porque teria sido muito mais produtivo ter ficado em Portugal, a viver da Segurança Social ou dos salários dos nossos pais e avós (como se eles já não tivessem que esticar os salários deles quanto bastasse). Teria sido mais produtivo trabalhar para pagar impostos e uma segurança social moribunda e chegar ao fim do mês com a conta bancária vazia. Em vez disso, escolhemos virar as costas, abandonar tudo e todos. Só que nós não abandonámos nada, nem ninguém. Não conheço um emigrante português (e conheço muitos) que não mande dinheiro, o dinheiro pelo qual trabalhamos, para Portugal. Que não se preocupe em como estão as coisas, que não tenha um familiar ou amigo em terras lusas para o qual envie, constantemente, ajudas. Não conheço (embora, não tenha dúvidas de que devam existir) um único emigrante português que não tenha mantido uma conta em Portugal, para onde todos os meses é enviado dinheiro, mesmo com todos os riscos que sabemos que corremos, Porque gostamos de ler nas notícias que o dinheiro enviado por emigrantes ajuda o nosso país, esse país que nos viu crescer e que nos deu asas e coragem para voar. Nós não nos esquecemos, nem virámos as costas. Nós gostamos de sentir que estamos a ajudar. E a triste verdade é que podemos ajudar muito mais quando estamos fora, porque dentro não nos são dadas as condições para o fazer.

Tenho lido muita coisa que se diz sobre os emigrantes. Muita coisa dita por pessoas que, felizmente, não sabem o que é enfrentar adversidades. Pessoas que não sabem o que é mandar dezenas de currículos todos os dias para nada. Pessoas que não conhecem a instabilidade do que é trabalhar a recibos verdes. Pessoas que nunca tiveram que se preocupar com estágios profissionais ou contratos a termo. Pessoas que nunca choraram por causa de um futuro que nunca vai chegar. Normalmente, não ligo a nada do que dizem, porque são pessoas que fazem parte duma minoria que está completamente deslocada da actualidade e que vivem fora da realidade do país. Mas, há uns dias, li um comentário a um texto escrito por um casal de retornados a Portugal que dizia mais ou menos isto: "Retornados? Atirem-nos aos tubarões" (com vários erros de português que não reproduzi aqui). Não precisam de nos atirar aos tubarões, nós já o fizemos sozinhos quando decidimos sair. Sim, porque viemos trabalhar e ganhar dinheiro, mas que ninguém se iluda e que ninguém pense que nos facilitam a vida cá fora. Se o desprezo que sentem por nós é assim tão grande, então não somos nós que não vos fazemos falta, são vocês que nos são completamente dispensáveis. A nós, os ingratos e os desertores que, na realidade, nunca esquecemos o país. A nós, que recebemos o salário ao fim do mês e enviamos parte dele para Portugal, a troco de nada. A nós, que nunca vos esquecemos, que todos os dias tentamos mudar a imagem que os outros têm do nosso país. A nós, que estamos aqui a lutar por nós, mas também por vocês.

8 comentários:

  1. Sofia, fizemo-nos a vida, deixamos a familia, amigos e toda uma vida para tras, mas nos, os emigrantes somos os maus da fita, aqueles que saem porque n tem coragem de ficar, aqueles que ridiculamente procuram uma vida melhor. O EMIGRANTES no nosso caso AVECS como muitos gostam de chamar depreciativamente sao aqueles que tiveram a coragem de sair e procurar uma vida melhor, mas mesmo assim somos criticados. Na minha opiniao quem critica é quem nao tem, nem nunca vai tr a coragem de sair do pais. Como li no outro dia num post, se fosse facil mais ca estariam. Beijinhos (ps: crescemos, aprendemos e ajudamo-nos, quem aqui esta tem força e vai a luta) desculpa pela falta de acentos ortograficos mas no consultorio o teclado n possui tal coisa. Ass: SM

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    1. Ah ah, os teclados franceses, sei bem o quão frustrante é escrever com eles =P
      E tens razão, se fosse mais fácil cá estariam.

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  2. Tenho muito orgulho nas pessoas que saíram daqui e fizeram pela vida. Sei que o objectivo é, quase sempre, voltar mas às vezes é tão difícil. É ridículo ter tanta gente qualificada a sair de Portugal. Este sim, é um país ingrato.

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  3. A minha família da parte da minha mãe passou na pele o complexo dos "retornados". Viviam em Moçambique mas tiveram que voltar devido à Guerra. Já se passaram mais de 20 anos e a mentalidade dos portugueses continua igual. Que tristeza. Acho muito bem que as pessoas saiam daqui e se façam à vida no estrangeiro. Quem é que quer andar a fazer estágios até aos 30 anos? Só me falta coragem, se não também já me tinha ido embora.

    Ricardo, The Ghostly Walker.

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  4. Eu não me revejo, felizmente, nesse tipo de mentalidade que alguns (demasiados) portugueses têm. Pude ficar, ainda bem. Mas os que foram, foram lutar por algo melhor e nada há a recriminar em relação a isso.

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  5. concordo contigo, e sei que no futuro, caso não esteja contente com a minha situação muito provavelmente é o que irei fazer.
    não critico, muito pelo contrário, acho de louvar a coragem e determinação de quem o faz e de quem procura e trabalha por um sonho e uma vida melhor.

    lollipopnecklace.blogspot.pt

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  6. Como uma das que puderam ficar (a trabalhar para estrangeiros na mesma !) permite me que dirija um massivo pedido de desculpas em nome dessa gente parva que nao sabe o que diz. Ta tudo cada vez mais facho,por cá.. --'

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