terça-feira, 14 de julho de 2020

Maria-Rapaz

Ontem partilhei no Instagram uma opinião que me deu direito a receber várias mensagens sobre o tema (quase todas a concordar comigo, porque não sou suficientemente importante para ter haters) e, como tal, decidi trazer a discussão aqui para o blog. 

A Leonor tem 19 meses. Ao longo destes 19 meses já ouvi imensas vezes que ela é maria-rapaz, inclusive duma médica - a frase foi qualquer coisa do tipo "Gostas mesmo de engenhocas, pareces um rapazinho!" - e eu tenho de confessar que este tipo de comentário me tira do sério.

Eu e o homem discordamos em imensa coisa, mas há coisas em que estamos 100% de acordo e uma delas é: a Leonor brinca com o que quiser. Se é de bolas que ela gosta, vai jogar à bola. Se ela gosta de dinossauros, brinca com dinossauros. Se gosta de cantar e dançar, vai cantar e dançar. Claro que há crianças e crianças, algumas serão mais ou menos atraídas naturalmente por certo tipo de brinquedos, no caso da nossa filha, ela gosta de coisas que mexam, que façam barulho e adora animais. Tem um Nenuco, que a minha mãe lhe ofereceu. Também gosta imenso dele, dá-lhe abraços e passa bastante tempo entretida a pôr-lhe e a tirar-lhe a chupeta. É muito comum vê-la a passear pela casa com um peluche enfiado debaixo do braço, ao qual dá abraços regularmente. Mas esse peluche é, muitas vezes, um T-Rex. Um dos brinquedos preferidos dela é um reboque de brincar. Quando vai na rua e passa uma mota ou um camião grita "UAU!". E está tudo bem, não é menos menina por isso. Eu acredito até que muita da tendência "natural" de muitas meninas em preferir bonecas e casinhas para brincar é simplesmente porque são essa coisas que veem as mães a fazer. Assim como é natural um menino querer brincar com esses mesmos brinquedos, pelos mesmos motivos.

Mas, se uma menina que goste de camiões e ferramentas leva logo com o rótulo de maria-rapaz, acho que para os meninos os rótulos são ainda mais injustos. Porque as meninas que gostam de "brinquedos de menino" (as aspas estão ali porque eu não acredito em brinquedos de menino e brinquedos de menina) ainda são toleradas. Mas um menino que goste de brincar com bonecas ou às casinhas é logo rotulado de maricas e isso acho que ainda me irrita mais. E não vamos estar aqui com coisas, todos nós conhecemos pelo menos um pai (eu conheço vários) que quando vê um filho brincar com bonecas o encara quase como uma afronta pessoal. E isso é só triste. 

Os brinquedos são feitos para crianças e elas têm todo o direito de os explorar à vontade e de descobrir o que gostam mais e o que gostam menos, sem pressão, sem nenhum adulto constantemente a tentar empurrá-las numa certa direção, sem rótulos. Estamos em 2020. Temos uma pandemia, temos oceanos entupidos de plástico, temos terroristas. A sério que ainda queremos perder tempo a obrigar os nossos filhos a brincar com aquilo que nos meteram na cabeça a nós que é "normal"?

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3 comentários:

  1. Concordo planemente contigo. Tenho um filho de 3 anos e apesar de ele adorar carrinhos, e as tais ditas coisas de rapazes eu não me incomodava se tal nao acontecesse. Ele adora ir a linha maquilhagem e pintar-se e apesar de as vezes eu lhe dizer que isso e de menina, acabo por nao me importar muito pois e normal elew terem curiosidade com tudo. E se uma crianca gostar mais de uma coisa que de outra nós pais so temos de aceitar.

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  2. Os brinquedos não têm género. Porque é que temos que insistir nessa divisão? Não faz qualquer sentido. Durante a minha infância, sempre preferi carros a bonecas. Quando ia às compras com a minha avó, o meu olhar perdia-se pelos carrinhos, em vez de se fixar nos nenucos. Quando entrei para a escola primária, nos intervalos, lá estava eu no meio dos rapazes a jogar futebol. E, como bem referiste, está tudo bem.
    Impedirmos as crianças de brincarem com os objetos que mais as fascinam não só as limita, como faz com que lhes faltemos ao respeito. Além disso, vamos fazer com que acreditem que há brincadeiras que não são para elas. E isso, sim, é absolutamente errado.
    Se aquele ser humano tiver que ser hetero, homo, bisexual, se-lo-á independentemente dos brinquedos que tiver à sua disposição. Não há paciência para mentalidades tão fechadas!

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  3. Não podia concordar mais com este post.
    Por aqui acho que não vou ter a vida muito facilitada com certos familiares que já fazem questão de oferecer tudo azul ao Gustavo, e que falam constantemente em coisas de menino/menina (eu lá vou revirando os olhos mentalmente e dizendo que ele brinca com o que quiser, mas daí a 5 minutos já estão a dizer a mesma coisa.). E sim, sem dúvida que acaba por ser (ainda) mais "ingrato" para os rapazes...

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