terça-feira, 29 de agosto de 2017

Um pedido à sociedade

Para quem não sabe, no meu último ano de faculdade, decidi que ia trabalhar nos tempos livres.

Corria o ano de 2011 e eu, aparentemente, sentia-me com tempo livre a mais e meti na cabeça que queria um part-time, que não tardou a aparecer. Fui trabalhar aos fins-de-semana para a Zara do Norteshopping (na altura, era a Zara número 1 do país, portanto, imaginem a quantidade de gente que por lá passava) e nem um mês depois de ter começado, já eu estava amargamente arrependida e com a certeza de que, chegando ao fim dos 6 meses de contrato, não ia querer renovar. Valeu pela experiência e foi bom para juntar uns trocos, mas durante 6 meses (os últimos 6 meses de faculdade e de muito trabalho) deixei de ter fins-de-semana e fiquei a conhecer um lado da população geral que eu não conhecia.

No outro dia, li um artigo sobre a "escravatura moderna" em Portugal e continua a ser um assunto que, apesar de velho e de eu já ter falado aqui sobre isso inúmeras vezes, me continua a dar nos nervos. Mas, dei por mim a pensar que não são só os patrões que abusam das pessoas em Portugal (acredito que noutros países seja semelhante, mas só posso falar da experiência que tive no nosso país). Em Portugal, as pessoas gostam de se gabar do quão simpáticas e amigáveis são, mas esquecem-se de referir que dada a oportunidade de interagir com alguém que sentem que está numa posição de inferioridade, não hesitam em tratar a pessoa como lixo.

Eu só trabalhei numa loja durante 2 dias por semana, durante 6 meses e foi mais que o suficiente para me abrir os olhos para muitas coisas que eu desconhecia que aconteciam com tanta frequência. Os clientes educados não são a regra, são a excepção. As pessoas olham para o empregado da loja como alguém que está ali para os servir e que, como o cliente é rei, podem tratar como lixo.

Tenho uma novidade para vocês: não podem. Não estão no direito de tratar ninguém como lixo. Vocês não sabem quem é a pessoa que está do outro lado. Não sabem que tipo de dia está a ter, que problemas tem na sua vida, há quantas horas está ali de pé, quantas vezes já teve de dobrar a mesma peça de roupa que as pessoas continuam a atirar para o chão. Eu só tive de conviver com esta realidade durante um período de tempo muito curto, mas ganhei todo um novo respeito pelas pessoas que trabalham em superfícies comerciais.

Acho que é uma questão de civismo. Aquelas pessoas estão ali para nos atender, não para nos servirem. Tudo bem que o cliente merece ser tratado com educação, mas deve aos funcionários das lojas/estabelecimentos exactamente o mesmo respeito com que quer ser tratado.

E, além da questão da boa educação, há coisas que, simplesmente não se devem fazer, como:

  • Entrar na loja 10 minutos antes da hora a que sabem que vai fechar. Aquele monte de roupa que vos demora 5 minutos a desarrumar, vai demorar 1 hora a pôr de volta no sítio. É preciso fazer o fecho das caixas, há coisas para arrumar, e há pessoas que têm de ficar até depois da hora de sair, sem receberem mais por isso, e que também têm vida própria;
  • Quando os vossos filhos deitarem alguma coisa para o chão e quiserem, educadamente, apanhá-la, não lhes digam coisas como "deixa estar isso, a empregada arruma". Simplesmente, porque não.
  • Estão aborrecidos com a fila que está na caixa? Não vos serve de nada bufar. A pessoa que está a atender os clientes está tão stressada como vocês e ainda tem de manter o sorriso o tempo todo, mesmo que na realidade lhe apeteça enfiar-vos um murro no meio dos olhos. E olhem que apetece muitas vezes.
  • Palavras como "por favor", "obrigada", "desculpe" não dão trabalho nenhum e só ficam bem. 
  • Nunca se dirijam a alguém partindo do pressuposto que a pessoa que está do outro lado é mais burra que vocês. Quantas e quantas vezes tive de morder a língua para não dizer o que realmente estava a pensar.
E pronto, malta, é só isto. Eu sei que todos gostamos de nos sentir importantes e que um bom atendimento numa loja pode fazer toda a diferença. Eu sei que também há funcionários arrogantes e, pior ainda, incompetentes. Mas, não custa nada ser educado. Não só não custa nada, como se vão ficar a sentir melhor com vocês próprios por terem conseguido ignorar a vontade de descarregar as vossas frustrações em alguém que não tem culpa nenhuma que o vosso chefe seja um idiota ou que tenham tido um furo no pneu do carro. Vamos todos tentar ser mais civilizados, pode ser?

9 comentários:

  1. Excelente como sempre e com toda a razão. Há ainda muita falta de civismo neste mundo. Beijinho da Sara morais

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  2. Infelizmente é mesmo como dizes, soa a exceção, não a regra. Educação é zero na maior parte das vezes.

    www.acasadella.com

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  3. Em Portugal o pessoal gosta de títulos e hierarquia. É a mania "dos doutores" e eu acho que é a raíz de muitos dos problemas da nossa sociedade. Ainda assim, os clientes mais mal-educados e arrogantes com que já me deparei são os ingleses.
    Trabalhar com atendimento ao público é difícil, especialmente quando a própria empresa não tem regras que assegurem o bem-estar dos colaboradores. Eu também li o artigo sobre a escravatura moderna e aquilo deu-me arrepios. Às vezes dou graças por trabalhar na Suécia (apesar de todos os sacrifícios), onde há direitos, onde os sindicatos ainda vão tendo margem para proteger os direitos de quem trabalha. Beijinhos e parabéns pelo post.

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  4. O ser humano é horrível. Eu atendo chamadas de clientes onde trabalho e há pessoas tão arrogantes! credo.

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  5. Trabalhei no atendimento ao público 3 anos, mais de 2 e meio numa pastelaria e uns poucos meses numa loja de roupas. Não podia estar mais de acordo com o que escreveste! Além das pessoas acharem que, por serem clientes, podem fazer e dizer o que querem sem ter consideração pelo outro, ainda pensam sempre que quem os está a atender tem que os servir e é, claro, uma pessoa burra, sem estudos, sem cultura, uma pessoa a desprezar. Não que se deva fazer distinção entre alguém analfabeto ou um doutorado, porque somos todos iguais e temos todos que ser tratados com respeito, mas há pessoas que acham que quem trabalha em lojas é burro (quando há imensa gente com licenciaturas e mestrados nestes sítios), não tem estudos e pode ser tratado como lixo porque não merece mais. Mesmo que fosse o caso, tendo ou não estudos, sendo rico ou pobre, de uma família chique ou humilde, ninguém é mais do que ninguém e quem trabalha tem que ser tratado com respeito no seu local de trabalho. Esteja a cuidar de doentes ou a limpar ruas... Falta de noção das pessoas.

    Essa de entrar na hora de fecho, armar uma tenda nas lojas, desarrumar tudo e ainda por cima nem comprar nada, fazendo com que tenhamos que ficar na loja depois de fecho, é coisa para me enervar. Quantas vezes fiquei até às 2h da manhã (a loja fechava Às 23h) a arrumar a loja e a tratar do fecho... Horas essas que não eram pagas. Se as pessoas soubessem de metade das coisas e tivessem mais empatia, tudo correria melhor.

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  6. Bom... realmente bem avisaste por Instagram que eu ia gostar do post de hoje. E realmente é bem verdade - porque não poderia concordar mais contigo. Felizmente a loja que eu trabalho não faz parte do padrão normal das lojas de centro comercial e isso faz com que eu atenda (maioritariamente) pessoas educadas. Mas existem as rudes. As presunçosas. As desagradáveis. Diria até, as escandaleiras. Não descansam enquanto não põe toda a loja a olhar para elas.

    Definitivamente trabalhar em atendimento ao público tem muito que se lhe diga mas o ser humano simplesmente não quer saber, quando não lhe toca a ele. Falta cinco minutos para fechar? Bora. E toca de fazer as perguntas mais elaboradas que se conseguir rabiscar naquela cabeça. E depois de 15 minutos a escolher a encomenda, ainda quer beber café - e já passa das 00.15H. E é isso, nada mais a acrescentar! :)

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  7. É muito triste. Trabalhei em duas horas e constatei tudo o que dizes.

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  8. Aí que realidade triste e deprimente. Infelizmente trabalhei na PT e acredita que sei disso melhor que ninguém. Enfim. Ninguém respeita ninguém, só olha para o umbigo... enfim.
    Beijinho

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