Ser forte é uma coisa muito relativa.
Já perdi a conta ao número de vezes que, durante toda a minha vida, ouvi coisas como "tu és mesmo forte" e "não sei como é que aguentas". Tudo coisas muito bonitas e inspiradoras mas, sinceramente... a sério?
Não é como se me tivessem dado a escolher. Ninguém me disse: "Ora bem, e agora o que é que queres? Que os teus pais continuem juntos e felizes e tu continues a viver a tua vidinha pacatamente, como até hoje, ou preferes que eles se divorciem e que tudo se vire de pernas para o ar?". Não fui eu que escolhi a vida que tive. Não fui eu que criei os meus problemas. Eles foram, pura e simplesmente, atirados para cima de mim sem aviso prévio. Ninguém sabe o quão forte é até ser obrigado a ser forte. Ninguém sabe quantos litros de lágrimas consegue chorar sem ir parar ao hospital com uma desidratação. Ninguém sabe quanta coragem tem no fundinho do seu ser até ter que a ir buscar até à última gota. E quando pensamos que já esgotámos com essa última gota, eis que se descobre um novo reservatório. Acreditem que é verdade. A "força" está sempre lá.
É verdade que a coisa podia ter corrido muito mal. Podia ter ficado traumatizada para o resto da vida (ainda mais, vá). Não foi justo o que me aconteceu. Não, de todo. O divórcio dos meus pais foi o menor dos meus problemas, no meio de todo o circo que se criou à volta dele e que se arrastou durante anos e anos, dias e meses infindáveis que se arrastavam, uns atrás dos outros, dias cinzentos, sem luz, sem cor, sem brilho, sem vontade de nada. Dias em que não queria sair da cama (e, efectivamente, só saía quando era obrigada a isso). Conversas inúteis com psicólogo atrás de psicólogo, sempre para me diagnosticarem o mesmo: depressão. No fundo, ninguém me entendia. No fundo, eu não me sabia expressar. Eu não sabia explicar que não aguentava mais. Que não aguentava mais as noites em branco, as horas de gritos ensurdecedores, os insultos, as mudanças de casa, a compaixão ligeiramente indiferente do resto do mundo. Mas (já) não me sinto injustiçada. Consegui crescer muito e muito depressa. Tornei-me adulta muito cedo. Aprendi a observar, a estudar as pessoas e a gerir a minha vida (e, sobretudo, as minhas companhias) da melhor maneira possível. Aprendi a dar valor. À vida, à família, aos amigos, às pequenas coisas. Aprendi a não mandar tudo para o ar à primeira dificuldade. Aprendi que sou capaz de tudo. Depois de fazer frente aos meus pais, duas das pessoas que mais amo no mundo, aprendi que mais nada nem mais ninguém me vai conseguir impedir de ter aquilo que quero. Aprendi que ser pai ou ser mãe não é sinónimo de ser perfeito, mas sim de ser humano que também sofre e erra, mas que, acima de tudo, ama. Na minha família não somos fáceis. Na minha família não há abraços, não há palavras de amor. Mas o amor está lá. Eu sei o quanto custou ao meu pai dizer-me que não era grave eu não poder ir a casa no Natal. Mas sei que ele me disse isso para eu não ir a correr atirar-me para debaixo do próximo comboio que passasse. Eu sei que a minha mãe só me deixa vê-la a chorar quando chega a hora de ir para o aeroporto porque já não tem mais força para engolir as lágrimas.
A grande conclusão que tiro da minha experiência de vida, curta mas intensa, é que somos todos muito pouco tolerantes. É mais fácil ver o quanto os outros nos fazem sofrer, mas é difícil imaginar-mo-nos no lugar deles e pensar no quanto sofrem também. É fácil atirar pedras... aos pais, aos amigos, ao mundo. Mas tentar compreender, tentar aceitar e seguir em frente... isso sim, é ser forte.
Fantástico!
ResponderEliminarIncrivel
ResponderEliminarSónia
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