Regras de infância

Houve várias regras que me foram impostas em criança e que, apesar de na altura me aborrecerem de morte, ficaram comigo até hoje e sou grata por elas. Assim de repente, ocorrem-me algumas:

• Por exemplo, o meu pai não me deixava dizer que a comida não prestava. Deixava-me dizer que não gostava, mas nunca que não prestava porque era comida que muita gente gostaria de ter. Quando era pequena, pensava "está doido, quem é que ia gostar de comer isto?" mas, depois de adulta, percebi o que ele queria dizer e dei-lhe razão.
• Já falando da minha mãe, a regra que ela me impôs e que mais me tem acompanhado ao longo da vida foi a de nem me passar pela cabeça sentar-me à mesa para almoçar de pijama. Até podia passar a manhã de pijama, isso era relativamente tolerado (com o ocasional suspiro e revirar de olhos de cada vez que passava por nós), mas tinha que estar lavada e vestida até à hora do almoço, nem que fosse passar o resto do dia em casa. E que ninguém pensasse em contrariá-la. Resultado: não contem apanhar-me de pijama em casa. Não consigo, a menos que esteja doente (e tenho que estar já num estado  deplorável, tipo 40ºC de temperatura e em estado letárgico). Assim como nunca me vão apanhar de fato-de-treino na rua (a menos que esteja a caminho ou a regressar do ginásio). Conclusão, a minha mãe conseguiu passar-me as suas pancas e, confesso, já não queria ser de outra forma, pelo que lhe sou muito grata por não fazer parte do rol de pessoas que vai ao Jumbo ao domingo de manhã com a mola rosa-choque presa no cabelo.
• Por último, a regra da minha avó: não ler de manhã. De cada vez que me passava pela cabeça pegar num livro de manhã, lá vinha o sermão "a ler de manhã? Até parece que não tens nada para fazer!". E, vamos ser sinceros, provavelmente não tinha. Mas era o que me faltava desobedecer à minha avó, portanto lá tentava encontrar outra ocupação (que, quase sempre, acabava por ser andar atrás dela a aborrecê-la). Não interpretem mal, a minha avó adora ler, foi ela que me ensinou a ler bem antes de eu ter entrado na escola e sempre me incentivou a ler. Só não podia ser de manhã, pronto, eram lá coisas dela. Pois, tenho aqui a confessar, que mal cheguei à idade adulta deixei de cumprir esta regra. Desculpa, avó. Gosto muito de ti, és das pessoas mais inteligentes que alguma vez conheci, mas eu adoro ler de manhã. E não me incomodo que pareça que não tenha nada para fazer, porque eu adoro não ter nada para fazer.

E agora, com licença, que vou só ali ser deserdada.