terça-feira, 26 de agosto de 2014

Obrigada, pai

Já uma vez escrevi sobre a minha mãe e o quanto me orgulho dela a todos os níveis, é um ser humano absolutamente fantástico: pode estar com 40 graus de temperatura que diz que não é nada, pode ter acabado de cair dumas escadas e ter o tornozelo do tamanho duma melancia que ri-se e continua como se nada se tivesse passado (isto aconteceu MESMO, até a mim me doía, mas à minha mãe? Nunca se passa nada com aquela mulher), pode ter acabado de ser operada e a primeira coisa em que pensa é que vai ter que marcar aulas extra para compensar os alunos (a sério, mãe? A sério?). Mas nunca me alonguei muito sobre o meu pai. O meu pai é um ser estranho. É frio, fala pouco. Lembro-me de ser pequena e de todos os domingos de manhã irmos passear: só eu e ele. Mesmo quando já tinha o meu irmão (mais uma pessoa que adoro incondicionalmente, é só amor e coisas bonitas para estes lados). Eu sei que o meu pai se orgulha muito de mim e sei que sempre tive uma grande capacidade de o magoar (e vice-versa). Herdei muita coisa do meu pai: a começar pelo sorriso (muita gente me gaba os dentes, desde que me lembro de os ter), a passar pelo gosto pela leitura e a acabar na minha frieza. Tenho uma veia dramática, como a minha mãe, mas depois tenho esta frieza aparente que faz toda a gente pensar que tenho um bloco de granito a impulsionar-me o sangue. Isto herdei do meu pai, sem dúvida.
O meu pai é uma pessoa que podia estar comigo um dia inteiro sem dizer uma palavra. Não porque estivesse chateado, mas porque é assim. Mas, se eu chegasse a casa e não lhe fosse dar um beijinho, era o fim do mundo. Lia-me todas as noites para eu adormecer e acabava sempre com "Vitória, vitória, acabou-se a história". Levava-me a comer rosbife ao Convívio, na Boavista e chamava "cabeça de giz" ao polícia sinaleiro.
Acima de tudo, a coisa que mais admiro no meu pai é que, apesar de ser homem e apesar de ser pai, nunca proferiu a frase "porque és rapariga". Quando eu punha a mesa, no dia a seguir punha ele. Quando o meu irmão cresceu, o que mandava um fazer, o outro tinha que fazer igual. Sempre pude sair, sempre pude andar sozinha. Nunca me fez sentir que tinha que ter atitude nenhuma baseada em diferenças de género. Ouvi muitas vezes a bela da expressão acima citada, mas nunca da boca do meu pai. Acho que a maior desilusão que lhe podia dar era um dia deixar um homem ditar a minha vida. Ele nunca o tentou fazer. Tentou educar-me, ensinar-me a distinguir o certo do errado, mas nunca me impingiu nada. Não me tentou educar para "ser mulher", tentou educar-me para "ser pessoa". E foi a coisa mais importante que fez por mim.

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